quarta-feira, julho 27, 2005

Em Luanda também há rotina...

Não pude deixar de reparar, depois de uma vista completa pelo nosso blog, que só publicamos os fenómenos extraordinários que nos vão acontecendo. Devem vocês imaginar, mas que vida fora de série levam estes dois nossos amigos.

Mas meus amigos, Luanda também tem rotina e por isso, hoje decidi publicar uma notícia sobre um dia normal de trabalho. O dia-a-dia, aquele que nos toma a maior parte do tempo. Assim a vossa visão de Luanda passa a ficar um pouco mais completa.

O despertador aqui toca cedo, normalmente por volta das 7h00, pois o horário habitual de entrada no trabalho é às 8h00. Quando abres a janela raramente vês o sol, seja Verão ou Cacimbo (para quem não sabe o Cacimbo é a estação que temos agora e que corresponde ao Inverno) o dia amanhece quase sempre com o céu numa tonalidade cinza claro, a parecer que vai chover. Mas nesta altura do Cacimbo desenganem-se, porque as chuvas aqui são mesmo é no Verão. Estão a ver o clima na Europa? Não tem nada a ver...

Visto-me de forma adequada para o trabalho, mas descontraída, adaptada ao estilo da vida da cidade, embora qualquer acontecimento mais formal exija um traje à altura. São muito vaidosos e gostam muito de ostentar estes meus novos colegas angolanos, a isso eles chamam "fazer banga". A roupa de Inverno é que é a parte boa, optas entre um pólo ou uma manga de camisa, em vez das tradicionais blusas de alças que usarás os restantes 9 meses do ano. De noite sim o tempo pode exigir um casaquinho, mas uma coisa em malha de algodão, nada mais.

Normalmente tomo o matabicho (pequeno almoço) em casa e saio para trabalhar. A interrogação de manhã é quase sempre a mesma, será que o elevador está a trabalhar hoje? Em caso negativo, o que acontece com alguma frequência, desço a escadaria. Na frente do prédio cumprimento sempre os guardas, os míudos sem abrigo e umas pessoas do bairro que simplesmente sempre param por ali. Ao meu Bom dia respondem-me "Bom dia sim". Até hoje ninguém me soube responder porque eles dizem bom dia sim, mas a verdade é que o fazem. Enquanto me dirijo para o carro vou sempre olhando para o chão, alguns buracos, pedras soltas, sacos ou mesmo poças de água podem encontrar-se no trajecto. Convém também ter atenção ao trânsito pois a condução aqui é perigosa.

A cidade a esta hora já tem uma energia e uma vida incrível mas felizmente o trânsito é ainda é pacífico e chegar ao trabalho não toma mais de 10 minutos. Nesse percurso, num dos cruzamentos sem semáforos, que na realidade até são muitos, está um polícia sinaleiro. Normalmente nos dias que lá está o trânsito está mais complicado, não sei se é uma infeliz coincidência, e não é menos invulgar assistir aos "candongueiros" (taxistas locais em furgonetas brancas e azuis) a desrespeitarem a autoridade e avançarem pese embora o sinal da mão com luva branca não deixar margem para dúvidas que se trata de um stop.

O dia no trabalho faz-se agora com menos precalços. Tirando o ritmo de trabalho mais lento e as dificuldades de um país que tem um sector secundário fraco e que importa quase tudo o que comercializa, com as consequentes burocaracias dos processos de desalfandegamento que vão fazendo derrapar as metas e prazos que te propunhas incialmente atingir, as dificuldades acabam por ser as mesmas: formação e comunicação, mas não era já assim aí?

O almoço é entre as 12h00 e as 14h00, mas nunca consigo sair tão cedo. E almoçar a essa hora também não é fácil. A essa hora o trânsito já está bem mais complicado e a escolha do caminho convém ser mais ponderada. O trajecto a esta hora já pode levar entre 15 a 20 minutos. A perícia ao volante a agilidade para responder a manobras imprevísiveis (que ao fim de algum tempo deixam de ser tão imprevisíveis assim) de outros condutores passam a ser um requisito obrigatório. Eu não desgosto da condução e acho que me adaptei bem, mas é todo um código da estrada e civil que tens que reaprender.

O almoço é em casinha. Quando tenho paciência e tempo, programo a ementa para a semana com a empregada, quando não ela improvisa. É cuidadosa e cozinha bem mas às vezes falta-lhe um pouco de imaginação para variar os pratos. Mas a comindinha é indiscutivelmente boa e caseira. Vemos o Jornal da Tarde na RTPi e saímos para a tarde de trabalho. Torno a cumprimentar os guardas e crianças que já moram em frente ao prédio e oiço: "Boa tarde sim!" e uma vozes mais infantis "madrinha estou com fome, dá só 50 kwanzas". Às vezes damos comida, às vezes não damos nada, mas dinheiro não damos nunca, porque seria o fim do nosso sossego no dia que isso acontecesse. O único dinheiro dado é a mutilados ou deficientes motores, que são alguns.

Agora antes de sair para o trabalho ainda vou até à minha fisoterapia diária, das 14h00 às 15h00 e só depois volto para a INSULANA. Lá tive que aprender mais uns caminhos novos na cidade. É engraçado que quando passamos sempre nos mesmos sítios deixamos de ver a envolvente. Mudando o circuito, tornei a reparar no lixo, no prédio velho, nas pessoas paradas à beira da estrada, no indíviduo que "mija" no meio da multidão virado para a parede.

Ao final da tarde por volta das 18h00/18h30 saio para o ginásio do Hotel Trópico, onde ainda estou em vias de poder vir a dar as tais aulas de aeróbica. O trânsito a este hora torna-se impossível e o circuito até ao ginásio, que não é semelhante ao que seria até casa, já demora 45 minutos. Treino nas máquinas, aprendo uma horita de squash com o Nuno ou frequento uma aula de aeróbica pouco original e descomprimo o final de tarde. Tomo o meu banho, e as condições nesse aspecto são fabulosas, diria quase que ao nível de um HP, e regresso a casa, quando não vamos directamente para uma jantarada fora já combinada com o sogrinho ou um grupo de amigos. À 5ª F quando estamos cheios de energia ainda vamos tomar um copo ao Palo's, uma discoteca ao ar livre muito engraçada.

Normalmente vamos para casa, às vezes alugamos um filminho, fiquem a saber que já vimos o Mr. and Mrs. Smith, pois já estava disponível no Clube de Vídeo, e descansamos para repetir tudo de novo mais 4 dias, até 6ªF.

Pois é... afinal também tem rotina!

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