Mais uma viagem cá dentro.
Para mim, Nuno, uma repetição do ano passado, embora de avião. Para a Paula, uma estreia. Como em tantas situações em Angola, não pode correr tudo como esperado. A viagem havia sido planeada para 5ªfeira às 16:00. Na noite anterior, olho para os bilhetes e vejo que o avião é às 07:00 com check-in às 06:00. A Paula achou impossível pois aquando da recepção dos bilhetes tinha verificado um dos três (meu, dela e o do n/o amigo namibiano o Helge) e tudo estava certo. Tudo, não, pois ela viu um dos bilhetes e esse tinha 16:00, assumindo que os outros dois estariam iguais. Jamais lhe ocorreu que nos pudessem ter colocado em voos diferentes, mas aqui tudo pode acontecer. Tivemos que nos reorganizar subitamente pois no dia seguinte já não haveria manhã de trabalho para ninguém. Pior: a Paula tem o passaporte na DEFA, para renovação do visto de trabalho, o que a impedia de se ausentar de Luanda. Foi necessário ir para o escritório às 04:45 procurar o recibo de entrada do passaporte nos serviços de estrangeiros e fronteiras, que em teoria deveria estar arquivado junto do seu ficheiro de pessoal na empresa. Mas há muito que ela já deveria saber que a teoria em Angola não passa de teoria, pelo que acabou desvairada na secretária de uma das suas melhores colaboradoras, que seria igual à minha se eu não fizesse arquivo durante 6 meses, à procura de um pequeno papel. Mas pronto, o importante é que o “Papel” lá estava algures esquecido entre um guardanapo já usado e as contas de um despachante com actividade fechada há 1 ano… e fomos para o aeroporto.
Não imaginam a fila para o check-in, na realidade aquilo era um insulto às filas, haviam de ver aquele amontoado de gente, a selva...; Pior só mesmo no regresso... mas já lá vamos!
Chegados a Benguela, bem, Catumbela para ser mais preciso, porque voávamos num Boieng e o aeroporto de Benguela não tem pista que permita receber este avião, ligámos a uma pessoa conhecida que era suposto lá estar à n/a espera e que por ironia trabalha no agente de viagens da companhia que voámos, Sonair, designada Paccitur, mas que lá não porque, os seus próprios colegas, só à última da hora souberam que afinal a companhia decidiu voar com um Boieng e não com o tradicional Fokker que costumam usar naquela rota. A espera não foi longa, muito simpática, a Milena lá nos entregou a viatura de aluguer, um 4x4 Toyota Yaris (!) que se portou muitíssimo bem.
Dirigimo-nos à casa que nos emprestaram e que é por sinal, espectacular como casa de férias.
Fica a 20km a Sul de Benguela, numa Baía que apesar de bonita, já deve ter sido fantástica antes de ter, é verdade, também algum lixo. Parece uma epidemia do desenvolvimento angolano. Mas….. Chegámos e não havia nem gasóleo para pôr o gerador a funcionar, nem água para o tanque, o que em termos ocidentais quer dizer que não tínhamos luz nem água. Pegámos no carro e voltámos para Benguela para tentar resolver os problemas. Quanto à água, o Sr Filipe "was the man" tem uma pequena empresa de distribuição de água, com 2 camiões com tanque de 11.000Lts, um do quais avariado. Não prometeu que conseguisse convencer os motoristas a trabalhar mais umas horitas depois das 18h00, pois para esse dia todo o trabalho estava planeado mas de qualquer forma, para 6ªfeira seria garantido, o que significava que banho, só no mar.
Depois, fomos a uma bomba para comprar o dito combustível para o gerador, o que significava ar condicionado, luz e claro, bomba de água para o banho, se água houvesse. Mas… gasóleo até havia, não havia era bidons à venda para o transportar. Deram-nos uma dica, um mercado popular, daqueles que só vendo para se conseguir perceber o que são. Entrámos com o Yaris para a terra e lá fomos para o mercado, parecia que um ONVI e dois marciamos acabavam de entrar na 7ª avenida. Conseguimos tomate, pimento, carvão… mas nada de bidons.
Regressámos finalmente à Baía Azul para descansar. Mas...
A Paula que já não estava bem de um ouvido, começou a ter dores mais fortes e foi preciso ir a uma farmácia. Carro de novo e mais 40 km’s… em Africa. Logo vêm o que isso quer dizer. Consegui umas gotas, que por sinal resolveram bem o problema. Chego à Baía Azul, entrego o medicamento e descubro que não havia chave do gerador para se meter o gasóleo que entretanto tínhamos arranjado, através da gentileza de um vizinho que amavelmente o cedera. Pegar no carro e ir à praia da Caota, onde morava o guarda que não devia, mas tinha levado a chave. E já eram 19:00, o que quer dizer noite cerrada. Lá fui eu e o João, o rapaz que toma conta da casa; 45min ir e vir por caminhos pouco aconselhados para o Yaris 4x4. Encontrámos o guarda mas afinal não era ele que tinha a chave, mas sim o outro guarda (do outro turno) com quem já tínhamos falado e tinha indicado este como o key keeper. Voltámos para a Baía Azul. Chegámos quase ao mesmo tempo da água (VIVA!!! Só faltava a chave para o gerador senão todo o esforço seria em vão). O guarda #1 morava perto, pelo que fomos lá. Diz-nos a mulher dele que não se encontrava pois tinha ido a um funeral na Baía Farta (a uns 8km dali). Voltámos para trás e parámos noutra casa dele e falámos com outra mulher dele (é mesmo assim meus caros, haja dinheiro para sustentar as famílias e os fihos e tudo é permitido), que nos diz que ele estava com a mulher #1. Claro que respondemos que era impossível porque tínhamos acabado de sair de lá. Eis que a sra decide pôr-se a correr determinada em busca do dito cujo, no escuro, na direcção de onde tínhamos vindo!!!. Chego de novo a “nossa” casa para descansar, com o peixinho fresco já grelhado no carvão. Que delícia…
Aparece finalmente o tal guarda #2, afirmando que realmente tinha a chave mas que não adiantaria nada porque não havia gasóleo! E é assim a inconsequência angolana!!! Enfim, lá conseguimos ligar a energia a um gerador de uma casa de uma amiga do dono, o que deu para os AC’s dos quartos e para a bomba (=banho). Só o AC da sala é não bumbava porque necessitava de demasiada energia levando o gerador a desligar-se. Mas ao menos foi uma noite descansada.
Neste texto a quatro mãos, vou agora tocar um pouco.
Bottom line1. Falta de planeamento do pessoal da Insulana na reserva dos bilhetes, mas lá se resolveu;
2. Falta de organização no check-in, sem filas de espera e com fortes empurrões, mas lá embarcámos;
3. Falta de condições à chegada da casa de praia, mas lá tomámos o banho ao final do dia
4. E ainda dizemos nós que eles é que não sabem…
Mas toda esta peripécia valeu bem a pena, a noite ficou fresca, um silêncio encantador, sem carros, sem luzes, sem vozes… de manhã acordámos cedinho e fomos dar um mergulho à praia. Bem o Nuno acordou mais do que cedinho, acordou com as galinhas, que por sinal nem sequer lá vi, às 5h30 da manhã para ir para a “pesca de lançamento” de um
spot que andou a micar no final do dia anterior. O irónico da questão é que o caseiro (João), com quem havia combinado ir, não apareceu… mas isso não demoveu o Nuno que lá foi para a pesca; ou melhor para esse local demoníaco, devorador de anzóis e chumbadas, pois lá deixou ficar pelo menos três de cada, que nenhum peixe havia de capturar.
O resto do dia foi mais tranquilo, passado numa praia de areias claras e água a 28º, uma maçada. A praia tem imensas rochas e a água uma visibilidade muito boa, acho que para mergulhar vai ser um sucesso, mas desta vez tivemos que passar esse programa ao lado por causa das costinhas do Nuno. À noite metemos literalmente mãos à obra e deliciámo-nos com uns belíssimos caranguejos. Toda esta zona, de Benguela a Baía Farta, passando pela Caota
e Baía Azul, é costeira e piscatória: o peixe e marisco fresco são obrigatórios. Mas a noite ainda não tinha terminado, descobrimos uma festança num local beira-mar, com uma vista fabulosa sobre a baía, onde ainda fomos beber um copo e ouvir uma música. Muito frequentado este novo espaço, e havia quem caprichasse sério no visual. Não há dúvida que este é um destino muito adoptado para turismo interno.
Sábado, 5h30 a.m., fala-vos o Nuno novamente, num testemunho na primeira pessoa. Combinei, depois de ter ficado invejoso com umas garoupinhas fresquinhas que uns míudos pescaram, ir de barco com eles e tentar minha sorte. Combinei às 06:00 e só esperei 1 hora por eles (coisa pouca..., esta é outra das características do povo angolano, incapacidade de cumprir horários). Saímos às 07:00, numa canoa a remos. No primeiro
spot apanhei 2 garoupinhas, das quais fiquei com uma, pois a outra era quase bebé. No 2º e 3º
spots não apanhámos nada. Comecei a achar que o dia anterior devia ter sido uma excepção para aqueles "pescadores". De repente, aparece ao lado da canoa um zodiac pequeno(semi rígido com um motor de 40 cv), com pai e filho a bordo e que amavelmente me "obrigam" a ir corricar com eles. Aceitei, e mal entro no barco, vejo um saco com 4 “peixes-serras” bem jeitosos. Começámos a corricar e apanho logo na minha cana mais um peixe-serra com uns 4 Kg. Continuámos e o Rui (pai) apanhou mais um. Demos mais umas voltas, bebi umas cervejas e comi umas sandes que eles tinham a bordo e me ofereceram e a que não permitiram que dizesse não pela segunda vez. Realmente nas pequenas cidades e vilas as pessoas tratam-se como família. E ainda mal tínhamos chegado e essa família já nos estava a acolher. É o ser humano no seu melhor.
Já as minhas manhãs, começam lá pelas 8h00. Levanto-me e trajo-me a rigor, um bikini e umas havaianas, caminho uns longos 100 metros, e vou directa para um mergulho na praia. Poderiam pensar que a essa hora ainda está fresco, mas não poderiam estar mais enganados, a brasa que já se faz sentir a essa hora é incrível. Mas a caminhada pela praia e o banho a essa hora, com uma claridade única, e sem pessoa alguma, são de um prazer indescritível.
À tarde desse mesmo dia fomos passear até ao Lobito e a sua famosa Restinga
, uma língua de areia com não mais de 200m de largura mas com 15km de comprimento, que de um lado disponibiliza as mais belas praias e do outro serve um dos mais importantes portos de Angola.
Mais uma das inestimáveis riquezas naturais deste país.
Difícil foi olhar para umas casas, tipo palacete, não muito diferentes daquelas que vemos na zona do Estoril, do tempo colonial, abandonadas, velhas, degradas, mas que melhor do que qualquer relato, contam bem a história de uma país com 30 anos
de guerra. De volta à Baía Azul, ainda houve tempo para um mergulho ao pôr-do-sol. Bem, pelo menos para alguns, porque o Nuno teve que recuperar o sono perdido pela manhã. Ao jantar havíamos de contar com as iguarias do fruto do trabalho do meu amor. Era hora de pôr na grelha o peixe pescado. E posso dizer-vos uma coisa, estava delicioso. Claro está que depois de tantas peripécias, o sono aparece cedo.
A nostalgia de Domingo… a partida anunciada… snif. Mas decidimos desfrutar ao máximo e por isso fomos para a praia bem cedo.
Ainda pegámos no carro e fomos visitar uma pequena praia, a Caotinha, muito resguardada, mais pequena, mas também bem mais encantadora. Mesmo ao lado desta, na base de uma enseada, uma pequena praia, bem ao estilo de Fernando Noronha, de acesso difícil mas por isso mesmo por desbravar. Fiquei seduzida, devo dizer e só lamento que as fotografias não sejam fiéis à magnífica paisagem.
É chegada a hora de partir. Hora do voo – 16h00. Mas para que percebam um pouco mais da aura que pairou sobre este final de tarde deixem-me oferecer-vos mais uns detalhes. A área de Benguela é servida por um aeroporto civil e por um aeroporto militar (Catumbela). A companhia de aviação pertence ao famoso Grupo Sonangol. Se voarem com um Fokker podem aterrar no aeroporto civil mas se voarem com um Boeing já têm que recorrer ao aeroporto militar, que como facilmente podem imaginar não está minimamente preparado com salas de embarque, check-in ou qualquer tipo de handling.
Ficámos até ao último minuto para que sequer nos confirmassem que haveria voo,não se esuqeçam que era Domingo de Páscoa... Passado este dilema, qual seria o avião? Para que aeroporto nos deveríamos dirigir? Mas o divertido da questão era que independentemente do avião ou o aeroporto o chek-in seria seguramente em Benguela.
Felizmente que a nossa amiga que nos havia recebido à chegada, tratou do chec-in e pudemos ie directamente para o aeroporto da Catumbela. Entrámos no aeroporto militar tranquilamente. O parque de estacionamento dos carros civis só é acessível, por uma paralela à pista de aviação, e portanto entrar no aeroporto é quase como percorrer o taxi way. Dali à placa ou à pista mais não seria necessário do que "dar-te na telha". As pessoas circulam livremente pelo espaço, com ou sem bilhete, com ou sem cartão de embarque.
O histerismo e a excitação começam a aumentar quando se vê o avião da Sonair fazer-se à pista para a aterragem. Assim que os passageiros começam a desembarcar, aqueles que se encontravam no aeroporto preparavam-se para, o que até então desconhecia, a verdadeira corrida ao ouro. Possuídos, arrancaram a pé por um acesso à placa e lá foram sem qualquer controlo ou travão. Mesmo à boca do avião, como uma manada que procura a fuga por um pequeno buraco numa cerca, os passageiros, com os cartões de embarque no ar, tentavam desesperadamente ser aceites. Como é próprio das multidões, os empurrões, o calor, a pressão, e a falta de respeito, tornavam-se quase insuportáveis. Mas, como infelizmente a) os lugares não são marcados e b) ter um cartão de embarque não é garante de embarque, a luta pelo teu lugar naquele amontoado de gente, só comparável com o acesso de Pas de La Casa em hora de ponta nas cadeiras para o outro lado da montanha, torna-se imprescindível. E ali ficámos uns bons 30min. Foi um momento único e de difícil descrição. Têm que passar por tal experiência. A viagem, por sua vez, decorreu sem grandes percalços, com excepção do embarque de uma maca que ficou a tapar o acesso a uma as portas de emergência.
À chegada a Luanda tínhamos um carro a tapar o nosso jeep. Buzinámos e nada. Pouco depois lá apareceu, em passo lento, calmo, naquela atitude típica de angolano, o dono do carro. Estranhou que estivéssemos tão exaltados, afinal de contas é um aeroporto e toda a gente sabe que os lugares escasseiam… Ele há dias!!!!!!!!!