terça-feira, outubro 25, 2005

África sem fronteiras!

Decidimos desde cedo que esta nossa estadia em Angola deveria ser vivida intensamente! Tomámos consciência da oportunidade que era viver em pleno continente africano, tão estrategicamente posicionados na geografia deste nosso planeta, rodeados de paisagens únicas e cheiros indescritíveis, que as melhores câmaras de Hollywood tantas vezes tentariam captar e reproduzir.

Relatamos por isso a primeira de (esperamos) muitas viagens que tencionamos fazer por este magnífico e inexplorado continente. Começámos com uma viagem tranquila e talvez uma das menos ambiciosas que tencionamos fazer - S. Tomé e Príncipe.

Guiados e inspirados pelo "Equador", lá voámos rumo à capital - S. Tomé, na ilha de S. Tomé, um voo que não duraria mais de hora e meia, para depois encontrarmos um Toyota Prado que esperava por nós, no aeroporto, para fazer o transfer de 5 minutos até ao Hotel. 3 dias em S. Tomé, com um jeep ou algo que se assemelhava, para conhecer o máximo que 3 dias de permanência na ilha deixariam conhecer. Assim, na primeira tarde fomos para sul. Passámos por uma de muitas aldeias piscatórias que caracterizam a ilha, fomos parando e sendo parados, sobretudo por crianças que ficam a gritar: "doce, doce, doce", na expectativa de ganharem uns rebuçados, chupas ou bombons. Outros pediam lapiseira para estudar. É um povo simples, dócil e acolhedor e não parece tão amargurado e revoltado, como os angolanos, relativamente aos portugueses. Reconheciam valor na obra feita e deixada pelos portugueses e admitiamm ser eles quem por vezes não sabia preservar esse património e herança de inestimável valor. Surpreenderam-me, devo confessar!

Outra curiosidade é que têm basicamente três estradas asfaltadas pela ilha, uma que sai para sul, outra que sai para norte e uma para o interior. Tudo o resto são picadas. Continuando ainda na direcção sul, parámos para almoçar na Roça S. João dos Angolares. Uma comida caseirinha, bem confeccionada servida numa varanda coberta, bem rústica, enquanto assistíamos a uma chuvada que descarregava a sua ira sobre a vasta selva que a nossa vista alcançava. Mais a sul visitaríamos uma pequena cascata e umas plantações de cacau. Já no regresso levaríamos a alegria a uma família local, ao dar boleia a mãe, filha e irmão que se deslocavam a pé para o hospital mais próximo, a cerca de 15 km, debaixo de chuva, para que a rapariga fosse atendida pois estava com fortes dores de barriga.

No segundo dia, decidimos sair para norte. O passeio é lindo porque é praticamente feito pela linha de costa, que tem uma vista fabulosa. Parámos a meio do caminho para comprar cocos, d'áuas (cocos com a finalidade de se lhe retirar a água) e cana do açucar. Qual o nosso espanto quando nos dizem: "Quantos d'áuas querem?" E mesmo antes que houvesse tempo de respondermos, já ia um nativo a trepar coqueiro acima para os apanhar. Só tive tempo de sacar da máquina para captar o momento. Foi lindo! Outra coisa intrigante é a quantidade de rios... não com muito caudal é um facto, mas em grande número. E é engraçado ver as senhoras a lavarem a roupa na margem dos rios e a estender a roupa em cima das pedras de basalto. Duas outras características dignas de se fazerem referência são as casas e os animais: quase todas as casas são construídas sobre estacas, porque chove muitíssimo, parecem palafitas e existe uma quantidade sem número de cabras e porcos que vagueiam pelas ruas, como gente. Não percebemos se tinham dono ou não, mas coabitam com enorme tranquilidade cidades e aldeias, com as suas crias, sem que ninguém as comande. Lindo! No regresso, já cansados e cheios de calor, optámos por parar numa pequena e resguardada praia de areal dourado, pedras de basalto e acesso difícil. Depois de um refrescante banho, o Nuno, já a gatinhar por cima das pedras na direcção da aveludada areia, é empurrado pelo balanço de um pequena onda e perde a aliança na água. Eis a recordação da praia das conchas. Mas tadinho do meu amorzinho, haviam de ver como ele ficou ali 15 minutos a remexer a areia entre as pedras a pensar que ainda era possível encontrá-la, até fiquei mais apaixonada... e ao final do dia comprou um anel de coco que usa até hoje no dedo anelar...

Último dia restava ir na direcção do interior. Visitámos duas cascatas, uma dela muito conhecida, a cascata de S. Nicolau, onde tirámos umas fotos e refrescámos os pés. São pequenas cascatas, mas muito bonitas. No entanto, a forma como a população se referia às cascatas e a maneira como estão relevadas nos mapas de interesse turístico, esperávamos algo mais esmagador. São bonitas mas discretas e pouco imponentes. Segundo o Nuno, muita da paisagem fazia lembrar a Madeira, as levadas, as paredes húmidas, os fetos a brotarem da pedra... Depois encontrámos dois putos à beira da estrada que nos guiaram até uma pousada, bem escondida, onde se pode comer um fruto raro, que segundo eles é o fruto mais caro do mundo - o mangustão. Era delicioso acreditem! E o dono da pousada, s. tomense, uma simpatia... a pousada está amplamente divulgada em Inglaterra e é por isso mesmo mais frequentada por ingleses. Como regressámos cedo fomos a um espaço de lazer jogar mini golf. Um desastre, o campo estava num estado lastimável. Acabámos aos tiros, de pressão de ar, derrubámos um alvo e ganhámos um brinquedo que fez a genuína alegria de uma criança s. tomense.

E assim se completaram os 3 dias. Impossível deixar de mencionar a beleza da baía Ana Chaves que serve de fundo à baixa da cidade.

Ao 4º dia, fomos para sul, na direcção de Porto Alegre, num transfer disponibilizado pelo Pestana Equador - ilhéu das Rolas, onde apanhámos um barco, "Pêro Escobar", para desembarcar frente ao resort. É um ilhéu pequeno, a paisagem paradisíaca, coqueiros à beira de água, águas cristalinas e o contraste das pedras escuras de basalto sobre as areias douradas... absolutamente lindo! Mas absolutamente esquecido... sem quase nada para fazer, que não seja praia, descanso e leitura.

A volta a ilha faz-se em duas horas a caminhar. A parte mais magnífica do passeio são as furnas. Orifícios esculpidos naturalmente na rocha, pela erosão suponho, ligeiramente distantes da linha de costa, que quando a onda rebenta fazem um barulho estrondoso fazendo circular o ar e a água (que parece vapor ao sair do buraco) a uma velocidade que não me atrevo adivinhar, levando o Nuno a acreditar que se tratava de uma verdadeira obra de engenharia.
Só estando no local! A ida ao farol, que de facto é suberba, porque o ponto é bastante elevado e permite ver a ilha para todos os lados, não se conseguindo enxergar um milímetro de chão, tal não é a densidade da selva equatorial que ali se ergue, faz-se em pouco mais de uma hora. E por último o passeio ao marco do Equador: 0º latitude; 0º longitude! Um pé no hemisfério sul e o outro no hemisfério norte, uma sensação diferente mas possível de experimentar em menos de 40 minutos de caminhada. Temos que admitir é que estes três passeios, volta à ilha, farol e marco do equador, foram especialmente temperados pela doçura e revelação de duas crianças, o João de 13 anos e o Abdu de 14. O João pretendia ser engenheiro civil, já tinha estudado até à 4ª classe no ilhéu, estudava actualmente e até à 6ª em Porto Alegre, para onde fazia a travessia de barco diariamente. Do 8º ao 12º ano planeava estudar em S. Tomé, onde permaneceria em casa do pai. Para o curso superior ia ganhar uma bolsa e estudar numa das melhores faculdades em Lisboa. Depois regressaria para reconstruir as estradas de S. Tomé e Príncipe das quais dependia o progresso do seu país. Raciocínio brilhante e irrebatível. O Abdu, menos ambicioso, pretendia ser comandante de um barco, mas partiu-me o coração quando no último dia apareceu no porto para se despedir de nós e me ofereceu um colar de missangas feito por ele. Ficámos com o endereço deles e tencionamos seriamente acompanhar o futuro dos rapazes.

E pronto o mistério da ilha estaria quebrado. Valeram-nos por isso dois interesses - o mergulho e a pesca. O Pestana tem 1 centro de mergulho e 1 centro de pesca. Fizémos 5 mergulhos, 3 que ficaram aquém das nossas expectativas, porque não vimos muita vida e 2 bem mais fabulosos, na Pedra do Braga e na Pedra do Vitorino onde se puderam ver muitas moreias, uma delas gigantesca, com uma cabeça enorme e boca amarela, uns pargos de porte já considerável, 2 cardumes de macoas e um cardume de atuns, polvos, cavacos, caranguejos, camarão... e eu tive a sorte de ver uma tartaruga. Mas dada a visibilidade da água, que é incrível, estávamos à espera de mais, muito mais. Explicaram-nos que precisamente pela água ser tão clara é pobre em planton, que é a principal base de alimentação das espécies e por isso há menos vida do que por exemplo em Angola. Em Angola há muita vida mas 1 metro de visibilidade... Pelo menos em Luanda, mergulhar não tem passado de uma tentativa.

Já no que respeita à pescaria também não tivémos muita sorte. O barco do hotel estava avariado e por isso não foi possível fazer um corrico ao marlin, cujo maior captado naquela zona somava 450kg, o que torna a sua pesca num espectáculo sem igual. Em alternativa, o Nuno e a sua constante busca por aventura, sugeriram que se alugasse uma canoa a um pescador local e que se saísse com ele para a faina, à moda tradicional. E assim foi. A partida às 6 da manhã começou com três homens, entre os quais o Nuno, a arrastarem um "tronco" para água . E lá fomos nós rumo adentro naquela água clara e transparente que rapidamente se tornou densa, escura e agitada, numa verdadeira vaga oceânica (massas de água de alguns dois metros). E nós ali, na casca de nós com um motor de 8cv.
Coisas de macho e pelos vistos nem é para todos porque parece que há s. tomenses que não aguentam a volta ao estômago que a pesca ao fundo (de barco parado) dá e se viram para a agricultura. O Nuno, de castigo e para não ter mais ideias brilhantes durante as férias, enjoou e eu não. Já não mergulhámos nesse dia e à tarde pude ler um livro, junto à praia, e trabalhar para o bronze, o que raramente tive e tenho oportunidade de fazer, tanto nas férias em S. Tomé como em Angola, por mais irónico que vos possa parecer.

Foram umas belíssimas férias!

Próxima viagem: África do Sul, Março de 2006.

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